Você sabe a diferença entre a pena de multa e a pena de prestação pecuniária?
- Melo e Dutra
- 26 de jul. de 2022
- 6 min de leitura
Se você já viu um processo criminal, já deve ter se perguntado o que significam a “pena pecuniária” e a “pena de multa” que os juízes em muitas ocasiões citam nas sentenças condenatórias.

No dia a dia forense é muito comum vermos assistidos que nos procuram para informar que receberam uma intimação do magistrado, ordenando o pagamento de pena pecuniária e/ou pena de multa. Também é rotineiro, no entanto, que haja confusão entre as duas penalidades, já que ambas, geralmente, se referem ao pagamento de algum valor.
Ambas as penas – prestação pecuniária e pena de multa – são fixadas na sentença pelo magistrado e podem estar presentes de forma concomitante (ao mesmo tempo).
A prestação pecuniária é um tipo de pena restritiva de direitos – ou para parcela da doutrina, restritiva de liberdade –, de natureza patrimonial, que substitui a pena privativa de liberdade e é autônoma em relação as demais reprimendas.
Em determinados casos a própria lei autoriza que, ao invés de a pessoa condenada cumprir uma pena privativa de liberdade nos moldes “normais”, ela possa executar prestação de serviços à comunidade (PSC), pagar pena pecuniária (PP) ou quaisquer das penas previstas nos incisos do art. 43 do Código Penal.
Os requisitos para aplicação estão dispostos no art. 44 do Código, quais sejam: I) quando a pena privativa de liberdade não for superior a 04 (quatro) anos e II) o crime não for cometido com violência ou grave ameaça; III) o réu não for reincidente em crime doloso e IV) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. O magistrado pode, contudo, realizar a substituição para o acusado reincidente, desde que seja necessário e suficiente para o caso concreto.
Segundo o art. 45, §1º, a prestação pecuniária é destinada à vítima, seus dependentes ou à entidade pública ou privada com destinação social, em valor não inferior a 1 (um) salário mínimo e nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. No entanto, o § 2º do mesmo artigo dispõe que é possível que a pena seja cumprida de outra forma (p.ex., entrega de gêneros alimentícios – a famosa “cesta básica” –, peças de vestuário, etc.).
No estado do Rio de Janeiro é comum que os juízes determinem o pagamento da prestação pecuniária através de GRERJ, que é emitida diretamente no site do Tribunal de Justiça, ou para alguma instituição filantrópica cadastrada na CPMA (Central de Cumprimento de Penas e Medidas Alternativas), localizado no Fórum da Comarca onde a pena será cumprida. No segundo caso, o condenado é encaminhado à CPMA para emissão das guias de pagamento ou para compra de produtos alimentícios, vestuários, etc., que serão entregues diretamente à instituição sem fins lucrativos.
É recomendável que, sendo a prestação pecuniária destinada à vítima ou aos seus herdeiros, seja emitida guia de depósito judicial vinculada ao processo de execução, para que o valor fique à disposição da pessoa interessada. Tal procedimento, assim como a GRERJ, é feito pelo site do Tribunal de Justiça.
Algo que é muitíssimo importante de se lembrar é que a pena pecuniária, diferente da pena de multa, pode ser convertida em pena privativa de liberdade.
Já presenciamos no passado, em diversos casos, assistidos que tiveram mandados de prisão emitidos por descumprirem de forma injustificada o pagamento da prestação pecuniária (art. 44, § 4º do Código Penal).
Atualmente, felizmente, não é mais possível a expedição automática de mandado de prisão pelo magistrado em exercício na vara responsável pela execução.
Na Defensoria Pública, por exemplo, é corriqueiro que muitos assistidos que precisam cumprir tal pena simplesmente “sumam”, mudem de endereço ou de telefone sem comunicar ao órgão. Se você fez algo do tipo ou conhece alguém que esteja fazendo, deve ficar atento pois é possível que o juiz converta a pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade.
Assim, caso não possa cumprir a prestação pecuniária por algum motivo (por dificuldade financeira, por exemplo), você deve informar tal fato ao seu advogado para que este possa explicar ao magistrado o porquê do descumprimento, e se for o caso, pedir a suspensão da execução da prestação.
A pena de multa, no processo penal, tem natureza de constrição patrimonial e é uma quantia fixada na sentença, calculada em dias-multa e é destinada ao fundo penitenciário nacional (art. 49, caput, do CP).
A pena de multa não pode ser convertida em pena privativa de liberdade, pois com a edição da Lei 9.268/1998, que alterou o art. 51 do Código Penal, esta pena é considerada dívida de valor, aplicando-se as regras previstas nas normas relativas à dívida ativa. Ou seja, você não será preso por deixar de pagar a pena de multa.
A regra geral, prevista no art. 49, caput, do Código Penal, é que a multa seja aplicada entre 10 (dez) e, no máximo, 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. O dia-multa, de outro turno, será fixado de um trigésimo do salário mínimo vigente à época do fato delituoso e, no máximo, 05 (cinco) vezes esse salário (art. 49, § 1º). O cálculo da pena de multa é feito pelo contador e enviado para o processo.
É possível que ocorra, em caso de descumprimento injustificado da pena de multa, a constrição do patrimônio pessoa condenada, por meio de penhoras, bloqueios financeiros, etc. O juiz, no entanto, jamais poderá realizar a conversão em pena privativa de liberdade.
Ao contrário da prestação pecuniária, a multa é paga por meio de GRU (Guia de Recolhimento de Receitas da União), que é emitida no site do Tesouro Nacional.
Tanto a GRERJ quanto a GRU têm validade de 15 (quinze) dias a partir de sua emissão. Caso não seja efetuado o pagamento até a data do vencimento, você deve solicitar uma nova guia.
Por ser a prestação pecuniária uma pena autônoma e substitutiva, orientamos que, caso não possa pagá-la junto com a pena de multa, você opte por pagar primeiro a pena pecuniária, já que, como dito acima, esta pode ser convertida em pena privativa de liberdade.
Diferentemente das taxas e custas judiciais, não é possível pedir a isenção da pena de multa ou da prestação pecuniária. Se neste momento você não tem condições de cumprir a prestação pecuniária, é possível, por exemplo, pedir sua substituição por outra pena restritiva de direitos que seja condizente e necessária à reprovabilidade da conduta criminosa praticada, ou pedir seu parcelamento.
Se tratando de pessoa hipossuficiente financeiramente (não possui condições de pagar), o não pagamento da pena de multa não impede a extinção da punibilidade, conforme entendimento publicado no tema repetitivo n. 931 do STJ. Acertadamente se pronunciou a Corte, pois a exigência anterior obstava a extinção da punibilidade exclusivamente de pessoas pobres, reforçando um direito penal estigmatizador e materialmente desigual.
Deste modo, se você já cumpriu as demais penas, mas não tem dinheiro para pagar a pena de multa, o seu advogado pode informar tal fato nos autos do processo de execução - comprovando sua insuficiência financeira por meio da juntada de cópia da carteira de trabalho e autodeclaração de hipossuficiência (feita por você), ou outro meio idôneo - e pleitear a extinção da punibilidade. Uma vez extinta a punibilidade, o seu processo é arquivado.
Conforme expressamente dispõem o art. 50 do Código Penal e o art. 147 da LEP, a pena de multa e a pena pecuniária serão pagas após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Assim, você não é obrigado a pagar a pena de multa ou a pena pecuniária de forma antecipada/ provisória, isto é, antes que a condenação se torne definitiva. Se você ou o Ministério Público não possuírem o interesse no recurso, a sentença que fixou as penas transitará em julgado e você será intimado para cumpri-las. No entanto, caso deseje recorrer, será necessário aguardar o julgamento do recurso e o trânsito em julgado para iniciar o cumprimento.
Salientamos que nenhuma das penas pode ultrapassar a esfera da pessoa condenada, atingindo a liberdade ou o patrimônio de pessoa diversa, sob pena de violação dos princípios da intranscendência mínima e da legalidade.
Em resumo, a prestação pecuniária nos moldes descritos acima e a pena de multa são autônomas e não se confundem.
Em outra oportunidade ensinaremos como realizar as emissões de GRERJ, guia de depósito judicial e GRU, que podem ser feitas por seu advogado ou pela Defensoria Pública, sem precisar que você se desloque até ao cartório.
Referências:
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. EXECUÇÃO PENAL: TEORIA CRÍTICA. 6ª ed. São Paulo: Thomson Reusters Brasil. Revista dos Tribunais, 2022.
PRADO, Luiz Régis. CURSO DE DIREITO PENAL BRASILEIRO. Vol. Único. 19ª ed – Rio de Janeiro: Forense, 2021.
JR., Aury Lopes. DIREITO PROCESSUAL PENAL. 18ª ed. São Paulo – Saraiva Educação, 2021.
Escrito por Anna Flávia Melo
Advogada Criminalista
OAB/RJ 239435
Comments