Comete crime de corrupção ativa quem que dá dinheiro a funcionário que solicitou vantagem indevida?
- Anna Flávia Melo
- 1 de ago. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 22 de out. de 2022

A resposta inicial é: depende.
Imagine a seguinte situação: você está com seu amigo em um bar, consumindo bebidas alcoólicas e espetinhos de churrasco. Ao saírem do estabelecimento, mesmo após sua insistência em retornar de Uber, seu amigo decide pegar o carro para voltar para casa.
Alguns minutos depois, vocês “dão de cara” com uma blitz da Lei de Seca, realizada pelo DETRAN. Percebendo que seu amigo está notoriamente embriagado, o funcionário do DETRAN solicita R$ 1.000,00 (mil reais) para liberá-lo. Seu amigo, com receio de ser preso e ter o carro apreendido, aceita a “oferta” e dá o valor solicitado.
Dito isso, pergunto a você: seu amigo cometeu um crime?
No nosso entendimento, NÃO.
O art. 333 do Código Penal, que tipifica o crime de corrupção ativa, prevê os verbos oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determina-lo a praticar ou retardar ato de ofício.
O núcleo oferecer expressa uma ação de apresentar, colocar à disposição, enquanto o verbo prometer significa o ato de obrigar-se a dar, prestar compromisso. Ambos os núcleos pressupõem que a ação inicial parta do agente ativo (aquele que oferece ou promete a vantagem ao funcionário).
O Princípio da Legalidade, no Direito Penal, afirma que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 1º do Código Penal; art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal). Em interpretação restrita do art. 333 e demais dispositivos do Código Penal, está claro, para nós, que não há prática de crime por notória ausência de previsão legal neste sentido.
A coisa muda de figura, no entanto, quando a vantagem é dada a um policial militar, por exemplo. Neste caso, aplica-se o Código Penal Militar e não o Código Penal.
O art. 309 do Código Penal Militar tipifica o ato de “dar, oferecer ou prometer dinheiro ou vantagem indevida para a prática, omissão ou retardamento de ato funcional”.
Assim, suponhamos que ao invés de um funcionário do DETRAN, a vantagem indevida seja solicitada por um policial militar e você a dá. Há crime? SIM.
Ao contrário do art. 333 do Código Penal, o art. 309 do CPM prevê expressamente o verbo dar.
Frise-se que o fato de o CPM expressar o núcleo (verbo) dar, enquanto o Código Penal não possuir previsão neste sentido, é um argumento que corrobora a tese de que, no primeiro exemplo, não houve prática de crime. Se o legislador quisesse (e esse é um exercício abstrato) que o ato de dar a vantagem indevida, após a solicitação pelo funcionário, caracterizasse um delito, teria previsto expressamente tal núcleo.
O legislador, ao criar o art. 333 do Código Penal, cometeu uma clara falha legislativa ao não tipificar o ato de dar. Contudo, enquanto não for realizada a inclusão do verbo dar, entendemos não ser possível a prisão em flagrante do agente, tampouco o oferecimento de Denúncia em razão de tal prática.
Como tudo no Direito, há quem discorde. Assim, não recomendamos que dê dinheiro a um funcionário público, mesmo que este solicite antes, pois até comprovar que “focinho de porco não é tomada”, você estará respondendo a um processo criminal.
Referências:
PRADO, Luiz Régis. CURSO DE DIREITO PENAL BRASILEIRO. Vol. Ú. – 19. Ed. – Rio de Janeiro. Forense, 2021.
Escrito por Anna Flávia Melo
Advogada Criminalista
OAB/RJ 239435
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